Censo 2017: mudança em 12 anos foi menor do que a esperada

O IBGE divulgou, no dia 26/07, a primeira leva de dados preliminares do Censo 2017. Estes dados surgem 11 anos depois do último censo, divulgado em 2006, e cercados de enormes expectativas sobre a evolução dos números oficiais da produção de leite no Brasil.
Um primeiro dado que chama muito a atenção é o número de produtores de leite no país em 2017. Segundo o IBGE, são 1,17 milhão de propriedades rurais que produzem leite, cerca de 13% a menos do que a apuração do censo de 2006 (quando foram identificados 1,35 milhão de propriedades produtoras de leite). São 180 mil produtores a menos, ou aproximadamente 45 produtores por dia, nesses 11 anos, deixando a atividade leiteira. Considerando o aumento concomitante da produção neste período, a média diária mudou de 42 kg/produtor/dia para cerca de 70 kg. Ainda que o aumento tenha sido de 67% na produção diária, o número é baixo demais. Importante: ainda não foram divulgados os dados relativos aos produtores que efetivamente comercializam o leite, já que nessa conta estão inclusos produtores que tem o leite somente para consumo próprio.
De fato, quem acompanha a cadeia leiteira nos últimos 10 a 15 anos tinha a expectativa de que este número do IBGE viesse bem menor, apontando para uma redução bastante mais forte no número de produtores de leite; como parâmetro, entre os Censos de 1995/1996 e 2006, a redução do número foi de cerca de 250 mil produtores (-25% no total de produtores).
Entre 2006 e 2017 houve muitos efeitos de mercado que apontariam para uma queda maior como a consolidação da coleta a granel de leite e a consequente necessidade de instalação de tanques de resfriamento nas fazendas (com a consequente exigência de capital, por parte dos produtores, para estes investimentos), e o aumento da importância da bonificação por volume nos sistemas de pagamento utilizados pela indústria brasileira (e o consequente estímulo ao crescimento do volume por produtor). Adicionalmente, neste mesmo período, as exigências por qualidade do leite produzido (notadamente em relação a Contagem Bacteriana Total) aumentaram significativamente (seja via sistemas de pagamento da indústria ou via marco legal – Instruções Normativas do governo federal). Também, neste período houve forte aumento dos custos de oportunidade do trabalho e da terra, fatores que deveriam contribuir para o aumento da escala e para a redução mais intensa no número de propriedades. Nenhum destes fatores parece ter sido tão forte a ponto de gerar uma exclusão mais relevante de produtores.
Na mesma linha, o levantamento da Leite Brasil, referente ao ranking dos principais laticínios, apontou um crescimento na média dos maiores, passando de 187 kg/produtor/dia para 407 kg/dia entre 2006 e 2017, crescimento de 117%, bem superior à média do IBGE.
Outro número que chama a atenção dentre os dados preliminares do Censo 2017 é a produção total de leite indicada, cerca de 30,1 bilhões de litros em 2017. É certo que a metodologia do IBGE para este censo utilizou, para a apuração da produção de leite, o período entre 1º de outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017 – este dado de produção de leite do censo deveria ser “corrigido” antes de ser comparado aos 33,6 bilhões indicados pela última Pesquisa Pecuária Municipal, de 2016. Essa diferença, de qualquer forma, remete à dúvida de qual efetivamente é a nossa produção de leite (e também nosso consumo) e, de forma secundária, quanto desse leite é comercializado pelos canais informais – esta discussão já apareceu aqui no MilkPoint no artigo “O leite-fantasma: faltam 5 bilhões de litros na conta...”, escrito pelo Marcelo Pereira de Carvalho em março de 2016. Assim, comparando o volume formal (24,3 bilhões) com a produção total de 2016 (este de acordo com a Pesquisa Pecuária Municipal, divulgada anualmente), teríamos 9,3 bilhões de litros na informalidade, volume que cairia para 5,8 bilhões de litros se comparados ao volume total indicado pelo Censo 2017.
Os dados preliminares divulgados pelo IBGE também apontam uma redução do rebanho leiteiro nacional, de 12,7 milhões de vacas em 2006 para cerca de 12 milhões em 2017. Esta redução na base de vacas em produção e o aumento verificado no volume produzido eleva a produtividade nacional em 55% entre os dois Censos, de 1,6 mil litros/vaca em 2006 para 2,5 mil litros/vaca agora em 2017, aumento de cerca de 4% ao ano. É um aumento considerável (ainda que as médias sejam ainda baixas) e mostra que a atividade está respondendo aos estímulos econômicos. Mais ainda, dado o estoque de tecnologia plenamente suficiente para fazer aumentar este número, é possível sermos otimistas quanto à continuidade desse processo.
O trabalho realizado pelo IBGE é de extrema importância para o país e sempre revela números importantes. Nesta edição, após 12 longos anos, ainda que tenha havido incremento na produtividade das vacas e das propriedades, os números não mostraram aquilo que se esperava, com base na percepção diária de quem verifica o processo de mudança no campo.